sexta-feira, abril 06, 2007

O meu balanço da campanha "Um milhão de carvalhos para a Serra da Estrela"


Bosque de carvalho-negral (Quercus pyrenaica Willd.) - Serra da Peneda


Foi dada como concluída, no passado dia 21 de Março, a primeira fase do projecto "Um milhão de carvalhos para a Serra da Estrela".

Se por um lado, existe uma responsabilidade primordial do Estado na protecção da floresta, nomeadamente nas Áreas Protegidas, por outro lado a sociedade civil deste país tem, que de uma vez por todas, cortar a dependência asfixiante do Estado e criar as suas próprias iniciativas. [Como é evidente, estas não isentam os organismos do Estado de assumir as suas responsabilidades, bem como outras entidades, nomeadamente no caso da floresta, as associações de produtores florestais].

Neste caso, em particular, considero que foi uma das melhores iniciativas da sociedade civil surgidas no nosso país, pelo menos em questões relacionadas directamente com o ambiente. A ideia é tão simples e tão cativante que apenas me interrogo como foi possível ninguém se ter lembrado antes de a por em prática (?!)

Estão de parabéns os seus organizadores e todos aqueles que, de uma forma ou de outra, participaram nela de forma activa, nomeadamente os mais jovens. Considero que um dos aspectos mais positivos deste projecto é a mensagem de educação ambiental para os mais novos e a criação de elos de ligação à mais alta das nossas montanhas...como escreveu o José Maria Saraiva, todos os que participaram deixaram algo de si na Serra da Estrela.

No entanto, humildemente, gostaria de fazer algumas considerações extra a pensar no futuro desta iniciativa:

1º) A recolha de sementes é uma actividade interessante, desde logo porque envolve os voluntários desde a fase inicial mas, no meu entender, apresenta algumas limitações:

- o número de bolotas recolhidas poderá nunca vir a ser o suficiente (apesar de todos os esforços) para os objectivos da campanha, acrescido do facto de muitas bolotas quando recolhidas já não estarem em condições de serem semeadas (acresce que as bolotas perdem a capacidade de germinar com relativa rapidez);

- por outro lado, de um ponto de vista ecológico, não considero que seja positivo que se façam recolhas sistemáticas de bolotas nos mesmos locais. Considero que se deve garantir uma certa variedade genética quanto à procedência das sementes mas, sobretudo, se recolhermos as bolotas sempre (ano após ano) nos mesmos carvalhais, estaremos a interferir na capacidade desses carvalhais para se regenerarem (não nos esqueçamos que alguns animais, como os gaios ou os recém-chegados esquilos, incluem as bolotas na sua dieta e, ao guardarem no solo algumas delas, acabam por contribuir para o nascimento de novos carvalhos).

- uma das formas de ultrapassar estas questões, poderia ser complementando a recolha de bolotas em carvalhais da região, com a aquisição directa de mais bolotas no Centro Nacional de Sementes Florestais (CENASEF); acresce que esta estrutura faz uma criteriosa selecção, logo na origem, das melhores sementes.

Claro que aqui se colocaria a questão de onde ir buscar os fundos para adquirir essas sementes (?) Penso que não seria difícil chegar a um entendimento quanto a esta questão (em termos de se reduzir o preço das mesmas), pois estamos a falar de um organismo público (CENASEF) e da reflorestação de um espaço público (Parque Natural da Serra da Estrela).

No entanto, poderia ser lançada uma campanha ao nível das escolas da região para se incentivar a recolha de rolhas de cortiça e utilizar os fundos provenientes da respectiva reciclagem - para os que duvidam da eficácia deste tipo de iniciativas é favor espreitarem aqui.

2º) Quanto à plantação directa de carvalhos, os viveiros de espécies autóctones existentes no nosso país (e, para o carvalho-negral, eu só tenho conhecimento do existente na Reserva da Malcata), poderão ser insuficientes para fornecer um número elevado de plantas todos os anos; neste caso, infelizmente, não vislumbro outras opções, pois o recurso a viveiros no exterior (Espanha, por exemplo), poderá revelar-se demasiado dispendioso, para além de se poder estar a correr o risco de introduzir alguma "poluição genética" com a introdução de variedades diferentes das naturais da nossa região - foi o que ocorreu com o pinheiro-silvestre mas, sobre este tipo de questões tão específicas, não seria má ideia pedir o auxílio técnico de botânicos conhecedores da Estrela, como Jan Jansen.

3º) Por mais que os resultados deste primeiro ano nos deixem animados e orgulhosos, devemos não perder a noção de que para se notarem efeitos práticos destas acções de reflorestação, as mesmas devem ser contínuas durante os próximos (muitos) anos...

- Seria igualmente positivo que se coordenassem os trabalhos desta iniciativa com outras acções de reflorestação da Serra, nomeadamente as levadas a cabo por associações locais de produtores florestais e pelo próprio Parque Natural...por que não associar o projecto de reflorestação da "Água Serra da Estrela" a esta iniciativa? A Serra não é só uma? Não seria suposto estas diversas acções de reflorestação obedecerem a um plano e objectivos comuns? Não bastará, talvez, um dos lados pegar num telefone e fazer uma chamada, para que de futuro haja uma coordenação de esforços e objectivos?

- No entanto, o maior problema aqui, continua a ser o dos incêndios florestais; esta é a principal ameaça das Áreas Protegidas nacionais e, em particular, do Parque Natural da Serra da Estrela, que tem sido absolutamente massacrado nos últimos anos e que não poderá continuar a sobreviver por muito mais tempo a estes fenómenos (pelo menos, sem irremediáveis perdas de biodiversidade).

Deste modo, e para que daqui a alguns anos não estejamos a chorar a perda das áreas entretanto reflorestadas, é necessário implementar algumas das seguintes medidas (e aqui sim, seria fundamental que o Estado assumisse as suas responsabilidades):

- diminuir as áreas com resinosas, criando zonas de descontinuidade com folhosas autóctones;

- aumentar os pontos de vigia e aumentar a vídeo-vigilância;

- aumentar o número de sapadores florestais e equipas de primeira intervenção do próprio Parque;

- utilizar a técnica de fogo controlado e, através de queimadas controladas, criar durante o Inverno zonas-tampão para o Verão seguinte,

- falar com as populações locais e sobretudo com os pastores e incentivá-los para o benefício da floresta, delimitando zonas para o pastoreio e outras para a floresta; incentivar os pastores a pedirem ajuda técnica para efectuar as queimadas de renovação de pastos;

- partilhar os lucros da exploração florestal com as populações locais (juntas de freguesia, comissões de gestão de baldios, etc.)

É preciso lutar contra décadas de ódio à floresta, pois ainda hoje estamos a lutar contra ressentimentos muito fortes, entre certos sectores da população, que derivam da florestação forçada de baldios com pinheiro-bravo durante o estado novo (mais uma daquelas medidas que devemos "agradecer" ao governo do maior português de todos os tempos!...)


Sem estas e outras medidas, as florestas que subsistem e as que possam ser criadas, fruto de campanhas como esta, estão condenadas e a Estrela será cada vez mais um deserto de granito, xisto e espécies infestantes, como as mimosas.


4º) Seria importante que a organização, através da criação de um jornal on-line, pudesse manter, de futuro, esse elo de ligação à Serra entre todos os que participaram, mostrando imagens que retratem a evolução das áreas reflorestadas.

Por último, queria lançar um apelo a todas as escolas dos concelhos que pertencem ao Parque Natural (Celorico da Beira, Covilhã, Guarda, Gouveia, Manteigas e Seia), pois estas deveriam estar na linha da frente no apoio a este projecto.

A organização já divulgou o projecto, agora só depende das escolas o interesse e a vontade de participar.

Gostava em particular de ver as escolas da minha cidade envolvidas a 100% nesta tarefa magnífica de reflorestar a Serra da Estrela, até porque considero que a ligação entre os covilhanenses e a sua Serra se desvaneceu muito nos últimos anos...os covilhanenses têm hoje um profundo desconhecimento sobre as riquezas da Serra e só se pode amar aquilo que se conhece...

Aliás, a anunciada transformação do Parque Alexandre Aibéo num Jardim Botânico com espécies autóctones da Serra da Estrela poderá também vir a ajudar nessa tarefa de reatar uma ligação perdida...

Quanto a mim, apesar dos obstáculos (de distância, financeiros,...) tudo farei para dar um contributo mais activo no próximo ano trazendo até cá alguns dos meus alunos de Silves...


Para finalizar, mais uma vez, parabéns a todos os que participaram e um enorme obrigado pelo bem que fizeram à Serra que temos entranhada no nosso coração...

2 comentários:

ljma disse...

Pedro, vou chamar à atenção dos organizadores esta tua reflexão. Por mim (não por ter sido um dos organizadores, mas por ter aderido com algum empenhamento), agradeço-a. Abraço,
Ze Amoreira

Pedro Nuno Teixeira Santos disse...

Obrigado, José.

Abraço